Publicações
& Artigos
Aspectos
descritivos da avaliação funcional de jogadores
de futebol
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PAULO ROBERTO SANTOS SILVA, ANDRÉ PEDRINELLI, ALBERTO
AZEVEDO ALVES TEIXEIRA, FÁBIO JANSON ANGELINI, EURES
FACCI, RICARDO GALOTTI, MARCELO MASSAO GONDO, ALESSANDRA
FAVANO, JÚLIA MARIA DANDRA GREVE, MARCO MARTINS AMATUZZI
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OBJETIVO GERAL
Avaliação
preventiva, diagnóstica, clínico-laboratorial
e de aptidão funcional.
OBJETIVOS
ESPECÍFICOS
1) Padronização do atendimento para a fase
diagnóstica;
2)
Avaliação periódica de índices
de aptidão física;
3)
Controle regular da evolução do programa de
treinamento;
4)
Planejar o treinamento em bases científicas;
5)
Fornecer os resultados das avaliações para
a comissão técnica objetivando atingir maior
eficiência no programa de treinamento físico
dos atletas.
A
fase diagnóstica dos futebolistas, em linhas gerais,
compreende os seguintes protocolos de avaliação:
–avaliação
clínica;
–avaliação
nutricional;
–avaliação
funcional (resposta eletrocardiográfica, con-sumo
máximo de oxigênio (VO2max), limiares ventilatórios
aeróbio (LV1) e anaeróbio (LV2), capacidade
anaeróbia, resposta isocinética de membros
inferiores e composição corporal).
A
fase de controle do programa de treinamento compreende o
acompanhamento do fisiologista às sessões
e aos retestes fisiológicos que se fizerem necessários
em épocas determinadas e, portanto, dando suporte
e validade ao seguimento evolutivo do atleta.
AVALIAÇÃO
CLÍNICA
São objetivos da avaliação clínica:
1)
Detectar condições que possam limitar a participação
do atleta no esporte;
2)
Detectar fatores que possam afetar a saúde do atleta
quando pratica futebol;
3)
Detectar lesões e patologias não curadas ou
que pos-sam predispor a lesão;
4)
Cumprir exigência legal das autoridades esportivas.
Para
que sejam alcançadas essas metas, utilizamos como
metodologia de avaliação a história
médica, o exame físico e exames laboratoriais.
A
história deve ser abrangente e completa, especificando
detalhadamente os antecedentes traumatológicos e
cirúrgicos, os antecedentes cardiovasculares pessoais
e familiares, a medicação habitual e eventuais
alergias a drogas.
O
exame físico também deve ser abrangente. A
propedêutica cardíaca e a respiratória
devem ser minuciosas. De capital importância, entretanto,
é o exame do aparelho locomotor. Já dizia
Jack Houghston, “gaze at a knee like a lover at his
mistress”, quando procurava salientar a malícia
com que devemos observar, ou melhor, “espiar”
um joelho. E não só o joelho, mas o paciente
como um todo. Salienta-se a necessidade de avaliar o arco
de movimento das principais articulações,
o trofismo muscular e o alinhamento de coluna e dos MMII
(estático e dinâmico). Além disso, é
imperiosa a palpação em busca de pontos dolorosos
e a avaliação da estabilidade ligamentar do
tornozelo e joelho.
Os
exames laboratoriais devem ser solicitados quando há
uma suspeita clínica específica. Muitas vezes,
entretanto, patologias subclínicas, e que são,
portanto, dificilmente diagnosticadas com base na história
e exame físico, podem piorar a performance do atleta.
Essas patologias envolvem muitas vezes aspectos nutricionais
e de saúde pública e são bastante prevalentes
em nosso meio. Objetivando afastar esses fatores solicitamos
alguns exames periodicamente. Eles são os seguintes:
radiografia de tórax, urina I, protoparasitológico
de fezes, hemograma completo, ferritina, sódio, potássio,
magnésio, TGO, TGP, glicemia de jejum, zinco, cálcio,
cobre, uréia, creatinina, ácido úrico,
ácido fólico (e Machado Guerreiro em casos
suspeitos de doença de Chagas).
CONSIDERAÇÕES
SOBRE AS AVALIAÇÕES FUNCIONAIS NO LABORATÓRIO
DE ESTUDOS DO MOVIMENTO
Métodos
Cardiovascular
É registrado eletrocardiograma em repouso e no exercício
com 12 derivações simultâneas, tipo
padrão, utilizando-se eletrocardiógrafo computadorizado
(modelo Personal, Marquette, EUA). A freqüência
cardíaca é avaliada automaticamente em repouso
e ao final de cada estágio do teste ergoespirométrico,
a partir de cinco intervalos R-R do registro eletrocardiográfico.
A pressão arterial é medida em repouso e ao
final de cada estágio do teste de esforço,
por meio de método auscultatório indireto,
utilizandose esfigmomanômetro aneróide (Tycos,
EUA).
Respiratória
e metabólica
É realizada por meio de espirômetro e analisador
metabólico de gases computadorizado (modelo CPX/D,
Medgraphics, EUA) que permite análise de trocas gasosas
a cada ciclo respiratório. O equipamento compreende
analisadores eletrônicos rápidos de oxigênio
(O2) e de dióxido de carbono (CO2) e pneumotacógrafo
acoplados a um computador com vídeo e impressora.
O equipamento permite analisar, em tempo real, as frações
expiradas dos gases, os fluxos e os volumes. O analisador
de gases detecta e dimensiona as frações de
O2 e CO2. A concentração de O2 é avaliada
por meio de uma célula de zircônio enquanto
a de CO2, por absorção infravermelha. A calibração
do equipamento é realizada antes do início
da coleta de dados sob condições ambientais
controladas (fig. 1). Portanto são analisadas em
repouso e no exercício as seguintes variáveis:
ventilação pulmonar (VE BTPS), freqüência
respiratória (FR), volume corrente (VC), consumo
de oxigênio (VO2), produção de dióxido
de carbono (VCO2), razão de troca respiratória
(RER = VCO2/VO2), equivalente ventilatório de oxigênio
(V/O2), equivalente ventilatório de dióxido
de carbono (VE/CO2), pressão expirada final de oxigênio
(PETO2), fração expirada de oxigênio
(FEO2), pressão expirada final de dióxido
de carbono (PETCO2), fração expirada de dióxido
de carbono (FECO2)(8,9,10).
O
limiar ventilatório aeróbio um (LV1) é
determinado pelos seguintes critérios: 1o) perda
da linearidade entre ventilação pulmonar (VE)
e o consumo de oxigênio (VO2) verificado pelo menor
equivalente ventilatório de oxigênio (VE/O2)
seguido de seu posterior incremento; 2o) ascensão
da razão de troca respiratória (RER) e 3o)
pela menor fração expirada de oxigênio
seguido de seu aumento abrupto.
O
limiar ventilatório anaeróbio dois (LV2) é
determinado pelos seguintes critérios: 1o) perda
da linearidade entre ventilação pulmonar (VE)
e a produção de dióxido de car-bono
(VCO2) verificado pelo menor equivalente ventilatório
de dióxido de carbono (VE/CO2) seguido de seu aumento
crescente e 2o) pela verificação do maior
valor da fração expirada de dióxido
de carbono (FECO2) seguido de sua diminuição
abrupta(11).
Teste
isocinético computadorizado
A dinamometria muscular isocinética computadorizada
é uma metodologia de grande importância para
atletas em diversas modalidades esportivas. Todos os futebolistas
são submetidos à avaliação isocinética
da articulação de joelhos utilizando-se dinamômetro
computadorizado (mode-lo 6000, Cybex, EUA). Os músculos
dessa articulação exercem funções
importantes em movimentos específicos dos futebolistas
durante a partida, requisitando elevada força dessa
estrutura músculo-esquelética: corrida, chute
e impulsão com ação dos músculos
dessa articulação. Portanto, a força
de equilíbrio desses músculos é fundamental,
pois agem na prevenção de lesões e
na melhoria das funções motoras.
Diversas
são as vantagens oferecidas pelo trabalho isocinético.
A presença de resistência variável ajustada
à força aplicada permite realizar exercícios
de avaliação e reabilitação
empregando a força necessária durante o movimento
articular em toda sua extensão. Isso constitui uma
vantagem, pois esse tipo de resposta não se consegue
atingir quando a resistência é fixa, visto
que a força empregada pelo músculo muda com
a variação progressiva do ângulo entre
os segmentos corporais em movimento. Além disso,
o teste determina um quociente entre os músculos
agonistas e antagonistas que permite comparar a força
entre indivíduos com graus diferentes de aptidão
funcional músculo-esquelética e qualifica
o tipo de atividade que deve ser desenvolvida individualmente:
força, resistência e potência (fig. 2).
Teste
de Wingate
O desempenho anaeróbio dos músculos de membros
inferiores dos futebolistas submetidos a atividade de alta
intensidade foi testada por meio de uma bicicleta computadorizada
de alta precisão (modelo Bike, Cybex, EUA) com uma
carga de trabalho equivalente a 10% da massa corpórea.
O atleta, antes de iniciar o teste, é aquecido com
exercícios de alongamento muscular e caminhada na
esteira durante cinco minutos e, por último, pedalando
mais 30 segundos na bicicleta. Logo após, o teste
é iniciado com o atleta pedalando na mais alta velocidade
possível durante os 30 segundos de duração
da prova. Nesse tipo de avaliação o fator
limitante não é o sistema transportador de
oxigênio e, sim, o sistema energético anaeróbio,
que tem de ter habilidade para converter, rapidamente, energia
química em mecânica. Esta metodologia não
invasiva é de grande utilidade, pois é possível
estimar a participação dos metabolismos anaeróbios
aláctico e láctico e, portanto, a eficiência
em indivíduos envolvidos com atividades de potência.
Basicamente, o teste possibilita verificar a potência
pico, caracterizando a resposta do sistema anaeróbio
aláctico (ATP-CP), enquanto a potência média
representa a capacidade do sistema anaeróbio láctico
dos músculos esqueléticos de sustentar exercício
realizado em alta intensidade por período prolongado
de tempo (endurance anaeróbia). Outro aspecto que
é verificado no teste é a percentagem de fadiga
atingida, pois mostra quanto de capacidade tem o grupo muscular
de deixar cair o menos possível a potência
pico. Apesar de o futebolista utilizar a corrida como atividade
motora específica, e não o pedalar, ainda
assim, as informações provenientes do teste
de Wingate possibilitam detectar deficiências, melhorias
ou comparar o efeito de treinamento específico sobre
o desempenho anaeróbio muscular do atleta. Portanto,
os resultados obtidos no teste de Wingate são marcadores
não invasivos sensíveis para avaliar, sobretudo,
o efeito do treinamento anaeróbio (fig. 3).
Avaliação
nutricional
Percentagem de gordura
A
percentagem de gordura é medida utilizando-se adipômetro
(modelo Lange, EUA). Essa variável é outro
componente importante dentro do quadro de avaliações
para o controle do nível de aptidão atlética
do futebolista. Jogadores de futebol, pela variação
de peso e estatura, são classificados geralmente
como mesomorfos, ou seja, com predominância de músculos
e tecido conjuntivo. A composição corporal
avaliada por medidas de pregas cutâneas revela que
futebolistas masculinos adultos apresentam valores médios
de 10%, com variação entre 8% e 12% de gordura
corporal(15,16). No protocolo de avaliação
utilizamos os seguintes pontos anatômicos propostos
por Faulkner(17): 1o) subescapular, imediatamente abaixo
do ângulo inferior da escápula, sendo a dobra
cutânea tomada obliquamente ao eixo longitudinal;
2o) tríceps, ponto médio entre o acrômio
e o olécrano, na face posterior do braço estendido
ao longo do corpo, sendo a dobra cutânea tomada na
direção do eixo longitudinal; 3o) supra-ilíaca,
ponto localizado 3 a 5cm acima do processo ilíaco
ântero-superior, sendo a dobra cutânea tomada
obliquamente; e 4o) abdominal, dobra cutânea horizontal
tomada junto à cicatriz umbilical. É uma medida
difícil, devendo o avaliador estar seguro de ter
incluído todo o tecido adiposo da dobra. É
importante salientar que preparar um atleta para competir
significa, geralmente, diminuir ao mínimo sua massa
de gordura e potencializar ao máximo sua massa muscular.
Especialmente quando este atleta transporta seu peso, todo
acréscimo de gordura diminuirá sua capacidade
de trabalho, pois exigirá maior consumo de energia
para ser queimada, competindo com a energia que o músculo
precisa para ser eficiente durante a realização
do gesto específico.
Protocolo
de teste de esforço
A capacidade física máxima de trabalho é
avaliada em esteira rolante (modelo ATL-10200, Inbramed,
Brasil), uti-lizando-se protocolo escalonado contínuo.
Nesse protocolo o futebolista é aquecido por quatro
minutos com velocidades crescentes a 4,0; 5,0; 6,0 e 7,0km.h–1
por um minuto em cada velocidade. Posteriormente, o teste
inicia-se com 8,0km.h–1 e incrementos de 1,0km.h–1
a cada dois minutos até a exaustão do atleta.
A inclinação é fixa e mantida em 3%.
Durante o transcorrer do teste é utilizada a escala
psicofisiológica de Borg de 15 pontos (6 a 20), que
quantifica subjetivamente o cansaço do atleta(18,19,20).
Orientações
para o teste de esforço
Os jogadores comparecem ao local de avaliação
com 20 minutos de antecedência, dispondo de tênis,
calção e camiseta. O exame com monitoração
eletrocardiográfica e ergoespirométrica tem
duração aproximada de 40 minutos e é
realizado com o futebolista alimentado. Quando realizado
no período da MANHÃ, o dejejum se constitui
de suco de laranja, leite, pão e bolacha. Contudo,
é expressamente proibida a ingestão de café,
chá e grande quantidade de açúcar.
Quando no período da TARDE, deve ser realizado almoço
leve com alimento de fácil digestão, obedecendo
a um período de jejum de no mínimo três
horas antes do teste. Não é permitido fumar
no dia do exame.
JUSTIFICATIVA
DA BATERIA DE TESTES FISIOLÓGICOS PARA O CONTROLE
DA APTIDÃO ATLÉTICA DE JOGADORES DE FUTEBOL
O
desenvolvimento de uma bateria de testes em atletas considerados
de alto rendimento é de fundamental importância
para verificar o estado inicial em que se encontram e, a
partir do resultado, planejar o programa de treinamento.
Ela representa um procedimento prático e objetivo
de avaliação das necessidades como também
do controle evolutivo dos efeitos fisiológicos decorrentes
do treinamento do atleta. A escolha das variáveis
que nortearam a bateria de testes e sua importância
para futebolistas foi fundamentada nos seguintes aspectos:
1o) na potência aeróbia (VO2max), por estar
relacionada com a eficiência do sistema transportador
de oxigênio e que significa o limite superior da habilidade
do organismo para consumir oxigênio; 2o) no limiar
anaeróbio, por estar relacionado com a capacidade
de tolerar esforços de longa duração
atrasando o incremento do componente lento do VO2 em direção
ao VO2max e, conseqüentemente, o início precoce
de acidose láctica, permitindo ao atleta realizar
esforço sem fadiga excessiva; 3o) na capacidade anaeróbia
láctica, por estar relacionada com a condição
de prolongar esforço na presença de elevada
acidose metabólica; 4o) na gordura percentual, por
estar relacionada com a capacidade muscular de realizar
gasto energético compatível com exercícios
de potência; 5o) na velocidade e agilidade, por estarem
relacionadas com a capacidade de deslocamento rápido
em mudança de direção; e 6o) na impulsão
vertical, por estar relacionada com a potência explosiva
dos músculos de membros inferiores e habilidade para
saltar.
Contudo,
é importante salientar que, apesar das inúmeras
publicações sobre o desempenho atlético
e funcional de futebolistas, ainda não há
um consenso sobre procedimentos metodológicos padronizados
da coleta de dados nessa modalidade. O único meio
que possivelmente resolveria a questão seria a composição
de uma força-tarefa reunindo a experiência
de todos os profissionais do universo do futebol, para desenvolver
uma bateria uniforme de testes, a fim de garantir um padrão
internacional para verificar o desempenho atlético
do futebolista. Enquanto isso não acontece, valemo-nos
de referências publicadas na literatura futebolística
associadas à experiência científica
da Instituição.
CONCLUSÃO
O
planejamento médico-desportivo deve ser uma rotina
adotada pelas instituições desportivas. Não
basta apenas realizar testes de campo e/ou em laboratórios.
Contudo, a importância de aplicar testes de desempenho
funcional em ambientes controlados, com seus respectivos
resultados direcionados para o campo, reside na objetividade
e na precisão do método, constituindo-se um
meio seguro de controle para o desenvolvimento científico
do treinamento. Os testes realizados em laboratório
de fisiologia do exercício apresentam algumas vantagens
sobre os de campo. Uma delas é a possibilidade de
maior isolamento à interferência das variáveis
intervenientes como: temperatura ambiente, umidade do ar,
velocidade do vento, poluição do ar, altitude,
e que não podem ser controladas em ambientes externos.
O
futebol da atualidade é dinâmico, o atleta
quase não pára, devendo ter: 1o) eficiente
sistema transportador de oxigênio; 2o) boa capacidade
de tolerar o exercício de longa duração
sem fadiga excessiva; 3o) boa endurance anaeróbia
aláctica e láctica para compensar os movimentos
explosivos e de velocidade prolongada; 4o) nível
adequado de gordura corporal; 5o) ser veloz e ágil;
e 6o) boa habilidade para saltar. Acreditamos que o equilíbrio
desses requisitos físicos representa uma parte dos
fatores que, relacionados a aspectos técnicos e táticos,
fornecerão as condições necessárias
para o rendimento compatível com as exigências
do futebol moderno.
Fonte:
Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia